O texto a seguir trata-se de uma análise da animação “Tekkon Kinkreet”, obra de Taiyo Matsumoto criada originalmente no formato de HQ, em 1998 (publicada no Brasil com o nome de “Preto & Branco” pela editora Conrad).
A história foi adaptada para as telas no ano de 2006 sobre a direção de Michael Arias e produzida pelo Studio 4°C. Preto & Branco conta a trajetória de duas crianças órfãs, uma de 13 e a outra de 10 anos (são eles Preto e Branco, respectivamente), que vivem nas ruas da Cidade do Tesouro onde moram em um carro abandonado. As personalidades dos dois meninos se completam e juntos eles mantêm um equilíbrio.
Preto, o mais velho, é frio e calculista e assume para si responsabilidades como se
fosse um adulto, acha que a Cidade do Tesouro é sua e que tem o dever de tomar conta dela, assim como de cuidar e proteger seu companheiro Branco. Este que é o seu oposto, Branco é uma criança ingênua e alegre que te uma percepção diferenciada das coisas e ainda possui a sinceridade que só as crianças são capazes de ter.
Fator comum entre eles é que são extremamente violentos. Violência, porém, que
se manifesta por motivos distintos em cada um. Enquanto Preto parece ter adquirido esse comportamento para sobreviver no ambiente caótico da Cidade do Tesouro, Branco tem a crueldade de uma criança, que ainda não distingue o certo e o errado por estar formando seus valores éticos e morais.
Juntos, os “gatos” (apelido pelo qual Preto e Branco são conhecidos) sobrevivem na
Cidade do Tesouro cometendo pequenos crimes e protegendo sua área das ameaças
externas, com bastante brutalidade. O clima esquenta quando o Sr. Suzuki (também
conhecido como “Rato”), um legítimo membro da máfia japonesa Yakusa, retorna à cidade com o trabalho de limpar as ruas para a instalação de um parque temático que servirá de fachada para lavagem de dinheiro.
A trama se desenvolve com base nos conflitos envolvendo as crianças abandonadas,
a polícia local, as gangues de rua e a máfia Yakusa. Até que em um episódio a polícia
separa Branco de Preto, alegando ser para o próprio bem do garoto. Com a separação dos meninos o equilíbrio que mantinha Preto são e perturbado e ele acaba revelando um lado sanguinário, assustadoramente violento, capaz até de matar. Esta outra personagem assumida por Preto é conhecida como Minotauro, e seria a dominação do mal em sua personalidade.
Preto & Branco é uma obra que choca pelo seu realismo ao lidar com assuntos
polêmicos e problemas recorrentes nas grandes cidades como a violência, as crianças
abandonadas e o crime organizado, que com suas próprias regras acaba se autodestruindo. Tudo isso tratado de forma lírica bastante fantasiosa já que as crianças são capazes de voar e enfrentar, também, ameaças extraterrestres.
A obra ainda levanta questões filosóficas discutidas há tempos, que é a relação entre o bem e o mal. Pensamentos que vem sendo elaborados desde o período pré-socrático com Heráclito de Efeso (540 - 470 a.C.) que aproxima o conceito de mal à discórdia e Parmênides de Eléia (530 - 460 a.C.) que aproxima o conceito de bem ao ser, até chegarmos ao pensamento nietzschiano de que bem e mal não são nada de absoluto e universal. São duas coisas paralelas mas que se completam e geram um equilíbrio, assim como os “gatos”.
Preto & Branco é, sem duvida, uma obra incrível, recheada de questões filosóficas e
criticas sociais e ainda possui um caráter estético fascinante, completamente original. Essa característica visual é fruto da mistura entre as origens orientais com as influências ocidentais de Taiyo Matsuoto que, aos 20 de idade, viajou para a França e teve contato com a produção européia e norte-americana de autores como Miguelanxo Prado¹ (e suas figuras distorcidas), Moebius (e sua linha clara e concepção de mundos fantasiosos) e Frank Miller (no uso de claro e escuro e no retrato da violência). Além da clara influência da obra “Peter Pan”, de J. M. Barrie, com suas crianças que voam pela Terra do Nunca. A Cidade do Tesouro pode ser vista como uma versão urbana e caótica desta outra.
Obviamente que levar uma obra desta magnitude, sem perder sua essência, para as
telas não seria tarefa fácil e exigiria pessoas de talento a altura de Matsumoto. A resolução para esta questão foi a parceria na produção, e mais uma vez uma mistura entre oriente e ocidente, entre o diretor norte-americano Michael Arias e a produtora japonesa de animação - Studio 4°C -, resultando na animação “Tekkon Kinkreet”.
Michael Arias é um cineasta norte-americano que começou sua carreira cinematográfica operando câmeras de efeitos especiais em filmes como “O Segredo do
Abismo” (1989) e “O Vingador do Futuro” de 1990. Arias trabalhou na produção de
“Animatrix” de 2003, obra de produção conjunta entre America e Japão, e no
desenvolvimento do filme “A Princesa Mononoke” (1997), considerado um dos maiores
animes da década de 1990.
Michael, além de animador, produtor e diretor, é também programador. Junto com a
SoftImage (empresa de desenvolvimento de programas para computador e tecnologia)
desenvolveu o “Toon Shader” usado no filme “Tekkon Kinkreet”. Trata-se de uma função dentro de um programa de desenho 3D que renderiza as imagens com aparência 2D, marcando-as com linhas de contorno e traços que parece terem sido feitos a mão.
Com a direção de Arias, “Tekkon Kinkreet” foi produzido no Japão pelo Studio
4°C, também responsável pela produção de “Animatrix” e outros filmes como “Memories” (1995). Atualmente, é a produtora que está trabalhando em parceria com a Warner Bros e a Cartoon Network na nova série animada “Thundercats”.
Em “Tekkon Kinkreet” a animação é feita a partir da mistura de técnicas 2D e 3D, o que possibilitou bastante fidelidade ao traço de Taiyo Matsuoto e tomadas incríveis entre a fantástica Cidade do Tesouro. O filme também surpreende pela qualidade com que foram trabalhadas as cores, já que o mangá original é literalmente em preto e branco.
“Tekkon Kinkreet” é, sem duvida, uma animação de bastante importância, tanto pelo
seu conteúdo filosófico e as questões sociais discutidas e seu caráter realista, quanto pelos processos envolvidos na produção com a criação de programas específicos para se chegar a um resultado estético desejado, fruto da parceria América e Japão.
Para fechar, segue um trecho de uma matéria da revista “Otaku USA” em que o
diretor Michael Arias revela que o filme brasileiro “Cidade de Deus” (2002) foi bastante
inspirador para a produção de “Tekkon Kinkreet”:
“[“Cidade de Deus”] foi uma enorme influência. Pedi à equipe para assisti-lo
porque é uma experiência muito densa, com muita informação, e achei que era
muito relevante para o que eu pretendia alcançar com “Tekkon”(...) não gasta
muito tempo com explicações e também acontece em um mundo bastante
fechado, uma favela. E muitos de seus personagens são crianças, então achei
que seria uma referência muito boa. É um filme fantástico.”
¹Para saber mais sobre Miguelanxo Prado e sua produção gráfica, recomendamos sua entrevista disponível no link: http://www.universohq.com/quadrinhos/entrevista_miguelanxo_prado.cfm
Postado por Gabriel Barrelo Oliveira
A história foi adaptada para as telas no ano de 2006 sobre a direção de Michael Arias e produzida pelo Studio 4°C. Preto & Branco conta a trajetória de duas crianças órfãs, uma de 13 e a outra de 10 anos (são eles Preto e Branco, respectivamente), que vivem nas ruas da Cidade do Tesouro onde moram em um carro abandonado. As personalidades dos dois meninos se completam e juntos eles mantêm um equilíbrio.
Preto, o mais velho, é frio e calculista e assume para si responsabilidades como se
fosse um adulto, acha que a Cidade do Tesouro é sua e que tem o dever de tomar conta dela, assim como de cuidar e proteger seu companheiro Branco. Este que é o seu oposto, Branco é uma criança ingênua e alegre que te uma percepção diferenciada das coisas e ainda possui a sinceridade que só as crianças são capazes de ter.
Fator comum entre eles é que são extremamente violentos. Violência, porém, que
se manifesta por motivos distintos em cada um. Enquanto Preto parece ter adquirido esse comportamento para sobreviver no ambiente caótico da Cidade do Tesouro, Branco tem a crueldade de uma criança, que ainda não distingue o certo e o errado por estar formando seus valores éticos e morais.
Juntos, os “gatos” (apelido pelo qual Preto e Branco são conhecidos) sobrevivem na
Cidade do Tesouro cometendo pequenos crimes e protegendo sua área das ameaças
externas, com bastante brutalidade. O clima esquenta quando o Sr. Suzuki (também
conhecido como “Rato”), um legítimo membro da máfia japonesa Yakusa, retorna à cidade com o trabalho de limpar as ruas para a instalação de um parque temático que servirá de fachada para lavagem de dinheiro.
A trama se desenvolve com base nos conflitos envolvendo as crianças abandonadas,
a polícia local, as gangues de rua e a máfia Yakusa. Até que em um episódio a polícia
separa Branco de Preto, alegando ser para o próprio bem do garoto. Com a separação dos meninos o equilíbrio que mantinha Preto são e perturbado e ele acaba revelando um lado sanguinário, assustadoramente violento, capaz até de matar. Esta outra personagem assumida por Preto é conhecida como Minotauro, e seria a dominação do mal em sua personalidade.
Preto & Branco é uma obra que choca pelo seu realismo ao lidar com assuntos
polêmicos e problemas recorrentes nas grandes cidades como a violência, as crianças
abandonadas e o crime organizado, que com suas próprias regras acaba se autodestruindo. Tudo isso tratado de forma lírica bastante fantasiosa já que as crianças são capazes de voar e enfrentar, também, ameaças extraterrestres.
A obra ainda levanta questões filosóficas discutidas há tempos, que é a relação entre o bem e o mal. Pensamentos que vem sendo elaborados desde o período pré-socrático com Heráclito de Efeso (540 - 470 a.C.) que aproxima o conceito de mal à discórdia e Parmênides de Eléia (530 - 460 a.C.) que aproxima o conceito de bem ao ser, até chegarmos ao pensamento nietzschiano de que bem e mal não são nada de absoluto e universal. São duas coisas paralelas mas que se completam e geram um equilíbrio, assim como os “gatos”.
Preto & Branco é, sem duvida, uma obra incrível, recheada de questões filosóficas e
criticas sociais e ainda possui um caráter estético fascinante, completamente original. Essa característica visual é fruto da mistura entre as origens orientais com as influências ocidentais de Taiyo Matsuoto que, aos 20 de idade, viajou para a França e teve contato com a produção européia e norte-americana de autores como Miguelanxo Prado¹ (e suas figuras distorcidas), Moebius (e sua linha clara e concepção de mundos fantasiosos) e Frank Miller (no uso de claro e escuro e no retrato da violência). Além da clara influência da obra “Peter Pan”, de J. M. Barrie, com suas crianças que voam pela Terra do Nunca. A Cidade do Tesouro pode ser vista como uma versão urbana e caótica desta outra.
Obviamente que levar uma obra desta magnitude, sem perder sua essência, para as
telas não seria tarefa fácil e exigiria pessoas de talento a altura de Matsumoto. A resolução para esta questão foi a parceria na produção, e mais uma vez uma mistura entre oriente e ocidente, entre o diretor norte-americano Michael Arias e a produtora japonesa de animação - Studio 4°C -, resultando na animação “Tekkon Kinkreet”.
Michael Arias é um cineasta norte-americano que começou sua carreira cinematográfica operando câmeras de efeitos especiais em filmes como “O Segredo do
Abismo” (1989) e “O Vingador do Futuro” de 1990. Arias trabalhou na produção de
“Animatrix” de 2003, obra de produção conjunta entre America e Japão, e no
desenvolvimento do filme “A Princesa Mononoke” (1997), considerado um dos maiores
animes da década de 1990.
Michael, além de animador, produtor e diretor, é também programador. Junto com a
SoftImage (empresa de desenvolvimento de programas para computador e tecnologia)
desenvolveu o “Toon Shader” usado no filme “Tekkon Kinkreet”. Trata-se de uma função dentro de um programa de desenho 3D que renderiza as imagens com aparência 2D, marcando-as com linhas de contorno e traços que parece terem sido feitos a mão.
Com a direção de Arias, “Tekkon Kinkreet” foi produzido no Japão pelo Studio
4°C, também responsável pela produção de “Animatrix” e outros filmes como “Memories” (1995). Atualmente, é a produtora que está trabalhando em parceria com a Warner Bros e a Cartoon Network na nova série animada “Thundercats”.
Em “Tekkon Kinkreet” a animação é feita a partir da mistura de técnicas 2D e 3D, o que possibilitou bastante fidelidade ao traço de Taiyo Matsuoto e tomadas incríveis entre a fantástica Cidade do Tesouro. O filme também surpreende pela qualidade com que foram trabalhadas as cores, já que o mangá original é literalmente em preto e branco.
“Tekkon Kinkreet” é, sem duvida, uma animação de bastante importância, tanto pelo
seu conteúdo filosófico e as questões sociais discutidas e seu caráter realista, quanto pelos processos envolvidos na produção com a criação de programas específicos para se chegar a um resultado estético desejado, fruto da parceria América e Japão.
Para fechar, segue um trecho de uma matéria da revista “Otaku USA” em que o
diretor Michael Arias revela que o filme brasileiro “Cidade de Deus” (2002) foi bastante
inspirador para a produção de “Tekkon Kinkreet”:
“[“Cidade de Deus”] foi uma enorme influência. Pedi à equipe para assisti-lo
porque é uma experiência muito densa, com muita informação, e achei que era
muito relevante para o que eu pretendia alcançar com “Tekkon”(...) não gasta
muito tempo com explicações e também acontece em um mundo bastante
fechado, uma favela. E muitos de seus personagens são crianças, então achei
que seria uma referência muito boa. É um filme fantástico.”
¹Para saber mais sobre Miguelanxo Prado e sua produção gráfica, recomendamos sua entrevista disponível no link: http://www.universohq.com/quadrinhos/entrevista_miguelanxo_prado.cfm
Postado por Gabriel Barrelo Oliveira
Colaborador Deoos TV
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