11.8.11

Meu Malvado Favorito (2010) e a crítica ao sujeito pós-moderno

O maior supervilão da história, Gru, tem seu posto ameaçado por um novo criminoso. Para dar a volta por cima, ele deseja pôr em prática um antigo plano: roubar a Lua. Para isso, ele precisa de um raio encolhedor, que está em posse do novo supervilão. As únicas pessoas que entram na fortaleza deste malvado são Margo, Edith e Agnes, três órfãs que vendem biscoitos. Gru resolve adotá-las, mudando sua vida a partir de então.

De supervilão à superpai. Essa é a trajetória de Gru, personagem principal do filme de animação Meu Malvado Favorito, que, em 2010, estreou a Illumination Entertainment e a Universal Pictures no universo 3D. Por trás de uma bela história clichê - onde o vilão é dissuadido por figurinhas adoráveis - e de piadas inteligentes e de bom gosto (que não agridem a inocência do público infantil), se esconde uma sutil crítica cultural à situação de inadequação do sujeito pós-moderno. Para tanto, a trama faz uso de dispositivos audiovisuais que tangem a sociedade e o sistema à que esta obedece.


Meu Malvado Favorito já começa brincando com os valores sociais vigentes quando, logo no início, no meio do deserto um andarilho de uma civilização primitiva quase é atropelado por um ônibus cheio de turistas, doidos para ver as pirâmides do Egito. Mas é no protagonista Gru que cai praticamente todo o peso da convivência em sociedade: Gru é o típico cara ultrapassado e inadequado. Totalmente descontextualizado onde vive e deslocado com relação aos valores do mundo, Gru não respeita seus vizinhos e não tem o menor pudor em desapontar criancinhas. Seu comportamento individualista reflete os conflitos do homem pós-moderno e sua insatisfação consigo mesmo e com o mundo em que vive.


Desde a careca, o nariz pontudo, os olhos marcados pelas olheiras, até mesmo o cachecol, é evidente a semelhança estética de Gru com Fester Addams (Tio Chico no Brasil), de A Família Addams (1964), que reporta, da mesma forma, a inadequação do personagem. Coincidência ou não, as tramas correspondem-se no sentido de que a visão de vilão muda de acordo com o ponto de vista do espectador. Tanto o Gru quanto os personagens de A Família Addams transparecem ser pessoas de bom coração, mas com atitudes que, aparentemente, não condizem com o código moral vigente na sociedade. Trata-se, na verdade, de uma inversão aparente, pois no campo da vilania, Gru está sujeito às mesmas convenções sociais, embora travestidas de contrário, e submete-se da mesma forma a uma estrutura social e à necessidade de reconhecimento e afeto, ainda que recalcados. Assim, Gru tem uma série de dilemas morais e questões de honra à que obedece, e que geralmente não são respeitadas pelos vilões. Não só A Família Addams, mas diversas outras estruturas narrativas seguem esta mesma fórmula. Entre elas Monstros SA (2001), onde os monstros não são maus, apesar de assustarem crianças.


A começar pelo seu nome, o obsoletismo de Gru é a principal característica que define sua personalidade, e fica mais evidente quando contrastado com seu arquiinimigo Vetor. Muito mais novo e com equipamentos tecnologicamente mais avançados, Vetor representa a maior ameaça à Gru e aos seus planos de furtos absurdos. Com Vetor, Gru vive o drama de sentir-se impotente, superado pelo advento da tecnologia e esmagado pela constante exigência de novidade.


Mas Gru não é um bandido comum: ele se dedica apenas ao roubo de ícones do consumo ou do turismo em nível mundial, tais como a Torre Eiffel e a Estátua da Liberdade. Quando seu inimigo Vetor rouba uma pirâmide do Egito, Gru precisa manter-se em evidência, e para isso arquiteta seu maior plano: o roubo da Lua! Este representa não só a sua maior realização - uma vez que desde pequeno ele sonha com a conquista do espaço -, como também o maior símbolo de aspiração do filme. O fracasso na aspiração ao sublime é um elemento que permeia a questão do sujeito na pós-modernidade, e o desejo de Gru, junto com sua incapacidade de realizá-lo, é comum e partilhado por todos. Ora, quem nunca sonhou em ser um astronauta? Roubando a Lua, ele rouba o sonho de várias crianças, assim como seus sonhos também foram roubados.


No âmbito social, a figura da mãe representa a questão do desprezo e da crise de identidade oriunda deste. O filme deixa claro o desinteresse da mãe de Gru quanto aos seus protótipos de foguete, sugerindo que todo seu sentimento de frustração advém desta desmotivação. O comportamento da mãe foi decisivo para a construção do caráter de Gru, que talvez nunca tivesse se tornado um vilão se tivesse recebido o apoio necessário quando criança. Outra forma de repressão é notada nas figuras da Srt.ª Hattie, a dona do orfanato onde moram as três órfãs, e do Sr. Perkins, o banqueiro. A Srt.ª Hattie, por exemplo, obriga as menininhas a vender doces pelas redondezas, além de manter no orfanato uma “Caixa da Vergonha”, que funciona como uma forma de punição; enquanto o Sr. Perkins sustenta o “Banco da Maldade” - que faz empréstimos para bandidos -, e aproveita-se de sua autoridade enquanto única fonte de renda para os planos de Gru para humilhá-lo e, mais uma vez, julgá-lo incompetente. Uma cena em que pode ser facilmente percebido o poder das Instituições é quando Gru entra no banco para pedir um empréstimo e nota estátuas de homens sustentando e sendo esmagados pelos pilares do edifício: uma clara analogia com a Instituição em si, que é formada por homens e ao mesmo tempo os destrói. Estes três elementos, a mãe, a Srt.ª Hattie e o Sr. Perkins, representam as Instituições Sociais - como a família, o mercado ou outras comunidades, que possuem o poder de modelar as ações do indivíduo -, e o preço que se paga por depender delas, com suas exigências e limitações.


O laço gracioso da história fica por conta de Margo, Edith e Agnes, as únicas capazes de amolecer o coração do mal-encarado Gru. Analisando um pouco da personalidade das garotinhas a partir das proposições da semiótica, pode-se dizer que as mesmas interagem conforme os princípios peirceanos de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. A Edith pode ser relacionada à Primeiridade quando é sempre quem toma as atitudes, sem muitas reflexões - mexendo em coisas que não deveria, por exemplo -, constituindo o que há de instintivo no sujeito. Agnes relaciona-se com a Secundidade enquanto a única a demonstrar afeto pelo seu novo pai - grudando em sua perna e pedindo-lhe para contar histórias -, e também à qual o público mais se afeiçoa. Já Margo corresponde à camada da inteligência e da interpretação, sendo quem se coloca à frente das outras, falando por elas e tirando conclusões, correspondendo, assim, à Terceiridade. Entretanto, as meninas mostram apenas alguns indícios de tais comportamentos, de modo que esta visão não se sustenta como um todo.


Outro papel que diverte é o dos pequenos assistentes do Gru, os Minions. Quanto a eles, pode-se dizer que são inseridos como mais um elemento hilário da trama. Todos praticamente iguais, emitindo sons engraçados e falando algumas poucas palavras sem nexo, os Minions são baseados em uma fórmula que há muito vêm dando certo, no modelo dos Oompa-loompas de A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971) e das lêmures de Madagascar (2005). Os Minions contam com uma técnica de animação mais rápida, bastante usada para transmitir a sensação de comicidade. Em algumas cenas também é possível perceber essa tática sendo empregada na personagem Agnes, afim de que ela pareça mais engraçada.


Apesar de encantadoras, Gru permanece relativamente relutante em demonstrar afeto pelas menininhas que adotou. Mais uma vez o relacionamento com sua mãe afetou a formação do seu indivíduo, construindo um bloqueio afetivo que Margo, Edith e Agnes aos poucos vão extinguindo. O momento de epifania, ou revelação, se dá quando, ao atingir o seu mais alto nível de realização pessoal, quando tudo o que ele sempre quis – a Lua - estava em suas mãos, Gru se dá conta de que isso não o satisfaz. Ao perceber-se solitário e infeliz, Gru corre em busca de suas meninas, tendo que lutar por elas (que foram sequestradas pelo Vetor), designando talvez o momento de clímax da narrativa.


Embora possamos observar estas referências à sociedade pós-moderna, tão sutis e bem costuradas na trama que dificilmente pode-se enxergá-las como uma crítica social, elas são, na verdade, um elemento secundário, ínfimo diante do grande espetáculo de entretenimento que Meu Malvado Favorito proporciona. Todas as produções culturais possibilitam, da mesma forma, a identificação dos indícios da dinâmica social e das forças que atuam nos indivíduos. Em desenhos animados dirigidos ao público infantil, essa tarefa torna-se, de certa forma, mais fácil, pois as personagens e as situações são reduzidas às suas formas mais simples, e estas mesmas relações exibem-se de maneira ainda mais evidente e polarizadas.


E para finalizar o post, veja o trailer oficial do filme





Postado por Elisa Rodrigues 
Colaboradora Deoos TV

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3 comentários:

Unknown disse...

ótima discertação sobre a história.
me indentifiquei com gru em muito aspectos, nas frustrações do cotidiano, no descaso pelos valores vigentes e no apego por valores invertidos, conflitos pós modernos como ja descrito.
adoro esse filme.

Elisa disse...

Obrigada Isac! =]

Luciana disse...

muito bom mesmo!!! amei